A artrite reumatóide é uma doença autoimune crônica. Sem tratamento evolui de forma progressiva e incapacitante. A boa notícia é que existem tratamentos extremamente eficientes no controle da doença.
Antes de escrever sobre o tratamento propriamente dito, algumas considerações gerais são muito importantes:
- O tratamento da artrite reumatóide é extremamente eficiente no controle da doença, mas não se podemos falar em cura definitiva. Em outras palavras, a doença permanece uma condição crônica que deve ser controlada, a exemplo do que acontece com outras doenças crônicas como a hipertensão arterial ou o diabetes que igualmente necessitam de medicamentos de forma continuada.
- O objetivo inicial do tratamento é bloquear o processo inflamatório que causa dor e inchaço nas articulações ou, nos casos mais graves, tratar as manifestações extra-articulares da doença (veja outras postagens sobre a artrite aqui no blog).
Ao conseguir o controle do processo inflamatório, além da melhora da dor e da função articular, a doença para de evoluir e, com isso, consegue-se o objetivo de longo prazo que é evitar que ocorram deformidades articulares
- Quanto antes for iniciado o tratamento, melhor. Em primeiro lugar porque o ideal é tratar antes que ocorram as deformidades, em segundo lugar porque, com o passar do tempo (sem tratamento), a doença se torna muito mais intensa e de mais difícil controle.
- O controle da inflamação na artrite reumatóide é obtido através de medicamentos altamente eficientes. Esta é a parte central do tratamento. Mas, além disso, o tratamento envolve medidas não medicamentosas como fisioterapia, exercícios físicos, abstenção de tabaco e terapia ocupacional, além de infiltrações e cirurgias em alguns casos específicos.
- O tratamento da artrite é duradouro. Geralmente para a vida toda. A não adesão ao tratamento e o uso irregular das medicações é a causa mais frequente de má evolução da doença.
Isto dito, vamos agora para o tratamento medicamentoso. Vou citar aqui uma grande variedade de medicamentos para o tratamento da artrite reumatoide. Cada um deles tem suas características próprias e não cabe neste texto falar pormenorizadamente sobre todos. Mesmo assim vou tentar esclarecer os aspectos gerais mais importantes.
Existem duas classes de medicamentos usados no tratamento da AR: As drogas de alivio sintomático e as drogas modificadoras da doença.
DROGAS DE ALIVIO SINTOMÁTICO
Drogas de alívio sintomático são medicamentos que auxiliam no controle da doença, mas não bloqueiam a sua evolução, nem impedem o desenvolvimento das suas complicações. Ainda assim são frequentemente utilizadas para alívio imediato de sintomas já que agem de forma muito rápida. Geralmente são usados de pontualmente por tempo limitado. No entanto, quando usados inadvertidamente possuem efeitos colaterais importantes. Em outras palavras eles são um auxílio no controle dos sintomas, mas não o tratamento da doença propriamente dita.
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A primeira classe de medicamentos desta lista são os anti-inflamatórios não hormonais (AINH).
Um precursor da aspirina, encontrado na casca do salgueiro tem sido usado há mais de 2000 anos como anti-inflamatório e analgésico. A partir da segunda metade do século XIX esta foi a base da criação do ácido acetil-salicílico componente da aspirina, primeira droga anti-inflamatória usada em larga escala. Só que a aspirina só era eficiente em doses muito altas, que frequentemente causavam sangramento digestivo. Por isso mesmo, outros medicamentos anti-inflamatórios foram sendo progressivamente desenvolvidos com melhor perfil de tolerabilidade e eficácia.
A lista de AINHs é bastante extensa e não cabe aqui uma descrição completa de todos eles. De uma forma resumida podemos dividir este tipo de medicamento em dois grandes grupos: Os AINHs tradicionais (por exemplo o diclofenaco, cetoprofeno, o naproxeno e muitos outros) e os inibidores seletivos da COX 2 desenvolvidos mais recentemente como o etoricoxibe e celecoxibe.
Apesar de algumas diferenças entre eles todos devem ser utilizados com cuidado. A maioria destes medicamentos é vendida sem receita médica (existem formulações orais, injetáveis e tópicas) e isto acaba sendo um grande problema pois, quando usados inadvertidamente, estes medicamentos são causa frequente de sangramento digestivo e insuficiência renal. Eles não devem ser usados em portadores de insuficiência cardíaca ou doença renal estabelecida e devem ser usados com extrema cautela em portadores de hipertensão arterial, diabetes ou pessoas com mais de 60 anos de idade.
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Outra classe de medicamentos nesta categoria são os corticosteróides (CE). Estas drogas também têm sido utilizadas de forma excessiva devido ao fácil acesso e baixo custo. Novamente, os efeitos colaterais do uso abusivo destes medicamentos são enormes. A lista envolve, entre outros, a osteoporose, diabetes, imunossupressão e inchaço importante.
No entanto, os CE são uma classe interessante de medicamentos que podem ser muito úteis quando utilizados com conhecimento de causa e cautela. Na verdade, o desenvolvimento destes medicamentos levou ao prêmio Nobel de medicina de 1950. Na época eles foram utilizados exatamente para tratar da artrite reumatóide. Indivíduos com dor intensa e limitante relatavam uma melhora espetacular dos sintomas logo após o início do tratamento. Mas, logo ficou claro que esta melhora era temporária, não produzia um real controle da doença e seu uso prolongado trazia inúmeros riscos.
O uso de corticosteróides é frequente como drogas auxiliares no tratamento da artrite reumatoide. Eles podem ser utilizados de diversas formas (oral, intramuscular, endovenosa, tópica ou em infiltrações articulares). Na verdade, existe ainda muito debate entre os pesquisadores se eles não teriam também alguma ação modificadora da doença, particularmente quando usados no início do tratamento, mas de uma forma geral, seus efeitos colaterais importantes indicam que seu uso deve ser feito sempre sob orientação médica e de forma limitada.
Em resumo, as drogas de alívio sintomático podem ser úteis em diferentes momentos do tratamento da artrite reumatoide, mas nunca devem substituir o tratamento modificador da doença que será discutido a seguir.
DROGAS MODIFICADORAS DA ATIVIDADE DE DOENÇA
A história natural da artrite reumatoide mudou completamente com a introdução dos medicamentos desta classe. Drogas modificadoras da doença (DMARDs) são aquelas que conseguem impedir o avanço da doença, e não apenas controlar seus sintomas. Em outras palavras, são os medicamentos que colocam a doença em remissão. Estes medicamentos funcionam como imunossupressores, pois tem como objetivo exatamente controlar a imunidade alterada de uma doença autoimune. São de uso continuo e, em geral com um perfil de tolerabilidade bastante favorável. Ainda assim devem ser utilizados apenas sob orientação especializada e sob controle médico regular.
No final do século XX haviam alguns poucos DMARDs no mercado. Nas últimas duas décadas surgiu uma grande variedade de medicamentos novos e outros ainda estão para ser lançados no futuro próximo. Mas, porque existe toda esta variedade de DMARDs ?
A resposta é que nem todo mundo responde da mesma forma. Um medicamento pode ser muito eficaz para um paciente e nada eficaz para outro. Os efeitos colaterais também variam de pessoa para pessoa. A existência de tantas opções permitiu que chegássemos hoje em dia a um cenário muito favorável onde praticamente todo paciente com artrite consegue um tratamento que seja eficiente para o seu caso.
De uma forma sintética estes medicamentos podem ser divididos em três classes de drogas.
- Drogas modificadoras da doença tradicionais (DMARDs tradicionais)
- Agentes biológicos
- Os inibidores da janus kinase.
Novamente, é importante ressaltar aqui que não existe uma óbvia superioridade entre uma ou outra classe de drogas. Todas têm suas vantagens e limitações. Além disso muitos esquemas de tratamento associam mais de um medicamento concomitantemente.
Os DMARDs tradicionais são drogas imunossupressoras, também utilizadas em outras doenças autoimunes. Estão no mercado há mais tempo, com um perfil de tolerabilidade bastante bem estabelecido. Em geral são mais baratas que os medicamentos mais novos das outras classes.
O metotrexato é provavelmente a droga mais acessível e, portanto, mais comumente usada em todo mundo para tratar a artrite. É de uso semanal podendo ser usada por via oral ou injetável. A leflunomida, droga de uso oral diário surgiu na década de 1990, também tem sido amplamente utilizada desde então. A hidroxicloroquina e a sulfassalazina são duas outras drogas desta classe de medicamentos, muitas vezes utilizadas em associação com outros medicamentos. Finalmente outras drogas da classe de DMARDs tradicionais são a azatioprina e a ciclosporina que ainda são utilizadas em algumas situações.
A classe de medicamentos biológicos surgiu no arsenal de tratamento da artrite reumatóide, há pouco mais de 20 anos graças aos avanços tecnológicos que permitiram criar drogas com ação mais específica contra moléculas alvo do processo inflamatório. Inicialmente utilizados apenas nos casos resistentes ao tratamento tradicional, estes medicamentos ganharam indicações mais frequentes principalmente nas formas mais graves da doença.
Alguns destes medicamentos foram desenvolvidos especialmente para o tratamento da AR, outros, já eram utilizados em diversas indicações e se mostraram muito úteis também no tratamento da AR. Estes medicamentos são utilizados via injeções endovenosas ou subcutâneas. A periodicidade de uso varia muito de medicamento para medicamento desde injeções semanais até medicamentos de uso semestral, cada qual com suas vantagens e desvantagens.
A lista de medicamentos biológicos disponíveis no mercado é bastante extensa e continua crescendo. Portanto, não cabe aqui, citar todos os medicamentos individualmente. Cada um deles tem suas características com indicações e contraindicações dependendo, em cada paciente, da condição clínica (e patologias associadas), da gravidade da artrite e do acesso à medicação.
Os inibidores da janus kinase.surgiram mais recentemente no mercado. Ao contrário dos biológicos eles são drogas de uso diário por via oral.
Cada uma destas drogas tem suas vantagens e desvantagens. A escolha do medicamento depende de vários fatores individuais como disponibilidade de acesso ao medicamento, preferência por vias de administração (oral, subcutânea, endovenosa). No entanto esta escolha também depende muito de questões médicas que dependem de conhecimento especializado para sua correta avaliação.
Existe um conceito muito atual na medicina que é o de “decisão compartilhada” entre o médico e o paciente. Em outras palavras, na existência de diferentes opções a decisão final deve levar em conta os aspectos técnicos que o médico precisa conhecer e expor para o paciente, bem como da preferência do próprio paciente.